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Lilian Liang

CASOS E SOLUÇÕES

Uma discussão sobre casos dignos de nota



APRESENTAÇÃO DO CASO


B.A.M, sexo feminino, 88 anos, 1,55m, 40kg Acolhida na instituição em 01 de julho de 2020.

Advinda de sua residência, onde morava sozinha. Possui como diagnóstico deficiência visual total devido a atrofia do nervo ótico, câncer de pele, perda auditiva em uso de aparelho bilateral, arritmia cardíaca, artrose, bexiga hiperativa, AVE isquêmico.


Divorciada, um filho advogado que via pelo menos duas vezes ao mês. Tinha um companheiro há mais de 20 anos. B. relata que veio para instituição em função do recente falecimento de seu companheiro e por não poder ficar sozinha.


Entre os desafios de sua vida incluem-se a perda da neta aos 5 anos de idade e uma queda da própria altura, que causou a fratura de diversas vértebras. A queda exigiu tratamento com hidroxicloroquina, cujos efeitos colaterais levaram a perda total da visão, trazendo perda de funcionalidade e, principalmente, de autonomia. Também passou a apresentar quadro avançado de artrose nos joelhos e quadril. Em 2011 colocou uma prótese no joelho direito, que melhorou sua mobilidade.


B. apresentava personalidade marcante, repleta de hábitos, e não tolerava erros ou situações que saíssem de seu controle. Tais características levaram ao estremecimento das relações com filho, nora e neta.


DISCUSSÃO


B. era independente em seu apartamento onde conhecia os espaços, pois tudo estava organizado de forma simétrica e adaptada à sua perda de visão. Diz que a mudança para uma instituição de longa permanência para idosos (ILPI) foi uma das escolhas mais difíceis que teve que fazer, mas estava decidida a fazer de tudo para que aquele fosse seu novo lar até o final.


Sua chegada nos trouxe grandes desafios à equipe da ILPI. Embora lúcida e com mobilidade preservada, era a primeira vez que acolhíamos uma pessoa com deficiência visual total. Além disso, relatava outras questões de saúde, como necessidade de dieta sem grãos devido à diverticulite, secura de córnea, pele ressecada, coriza, dor ao mastigar os alimentos.

Também tinha reclamações em relação à temperatura da agua, à simetria dos lençóis, à altura do vaso sanitário, ao volume de voz dos outros residentes. Como inseri-la num ambiente com mais 18 idosas e personalidades tão diferentes da sua?


B. não permitia o toque, não beijava ou abraçava as pessoas e mantinha sempre uma feição assustada. Porém, com o passar dos dias, percebemos que sempre deu muito amor às pessoas, mas não sabia receber. Receber abraços e beijos da equipe de forma espontânea foi algo que acalmou o seu coração. Receber um beijo na hora de ir dormir foi algo que remeteu a sua infância em Portugal. Ela começou então a compreender que as pessoas podiam receber cuidados e amor e serem respeitadas da forma que são, sem precisar de rótulos, títulos ou dinheiro.


Foram tardes sentadas no pé de sua cama, escutando seus relatos e suas fragilidades. O que ela mais desejava era manter uma relação e um bom vínculo com seu filho, sua nora e sua neta.


Após um ano e meio de institucionalização, B. perdeu o equilíbrio ao arrumar sua gaveta e caiu sentada, fraturando o cóccix. A queda foi um divisor de águas: após ficar hospitalizada por uma semana, voltou muito diferente, com discurso repetitivo, mais solicitante, com medo de ficar sozinha, desorientada acerca de tempo e espaço. Não entendia as direções, apresentando uma recusa alimentar expressiva que não fazia parte do quadro clínico atual.


Iniciamos investigação clínica com tomografia de crânio e foi identificada demência vascular. A recusa alimentar levou a investigação de câncer no estômago. Mais uma vez B. se viu em novos desafios, porém agora sem poder tomar decisões ou determinar as próximas direções por não compreender o que poderia ser feito.


Após diversas remoções para âmbito hospitalar e exames que mostravam que tudo seria muito agressivo, o filho foi chamado para tomada de decisões e implantação dos cuidados paliativos. B. permaneceu na ILPI por mais 12 meses.


Os cuidados paliativos lhe proporcionaram uma grande aproximação com o seu filho, que passou a visita-la uma vez por semana. Passavam um tempo juntos no jardim e tudo que conversavam remetia a memórias de muitos anos atrás. Falavam de comida, músicas, viagens que fizeram fora do país. Esses momentos trouxeram muito conforto para ambos.


B. dormia com um rosário nas mãos, que ela dizia ser presente do papa em uma de suas viagens. Uma mulher de uma fé inabalável, que ao buscar cuidados na ILPI, acabou por transformar também aqueles que cuidavam dela, mostrando que mesmo diagnósticos difíceis podem unir laços ate então rompidos.

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